"A história é um carro alegre
Cheia de gente contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue..."
(Pablo Milanês)
Em julho de 2007, o
ex-prefeito paulistano e ex-governador de São Paulo, João Dória, criou um
movimento denominado Cansei que contou com a participação de celebridades como Hebe
Camargo, Agnaldo Rayol, Ivete Sangalo e outros ricos e famosos para protestar contra
o governo Lula. O referido movimento tinha por objetivo denunciar o "caos
aéreo" atribuído ao governo federal.
A crise do sistema aéreo
ocorreu em função do crescimento exponencial de passageiros gerado pela
ascensão da "classe C". Durante o governo Lula, 36 milhões de pessoas
saíram da miséria e 60% dos brasileiros tiveram incremento em sua renda.
A ascensão social criou uma nova "classe média" apta a, por exemplo, custear viagens. Tendo como foco essa clientela, companhias aéreas investiram na popularização das passagens e dezenas de milhões de brasileiros passaram a frequentar os aeroportos.
Dados divulgados pela ANAC registraram que o Brasil teve um incremento de quase 60 milhões de novos passageiros durante os governos do PT. A expansão do número de passageiros levou à criação de gargalos no sistema aéreo, resultando em longas filas e aeroportos lotados.
A situação se agravou em 2006, com a crise financeira da Varig, sobrecarregando companhias aéreas, gerando congestionamentos nas pistas de pouso e déficit de profissionais. Visando explorar politicamente a situação, a imprensa brasileira tratou de elevar ao máximo o drama.
Reportagens diárias relatavam o "caos nos aeroportos", com depoimentos de passageiros indignados por ficarem horas aguardando para realizar check-in. O termo "apagão aéreo" foi popularizado e a lotação dos aeroportos se tornou o grande foco dos debates políticos nacionais.
Não raramente, o debate era permeado por elitismo explícito e o preconceito de classe expressos no desconforto das camadas sociais altas e médias em dividirem seus espaços tradicionais com a "classe C". Socialites queixaram-se do porteiro que estava viajando a Paris.
Até professores universitários ficaram indignadas porque o novo público dos aeroportos tornava o espaço menos condigno, "parecendo rodoviária". O ápice da crise ocorreu em 17 de julho de 2007, quando a aeronave que fazia o voo 3054 da TAM sofreu um acidente.
Um Airbus da TAM, transportando 187 passageiros colidiu contra um galpão e um posto de gasolina ao ultrapassar os limites da pista de pouso e invadir a Avenida Washington Luís, nos arredores do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Imprensa e oposição atribuíram a responsabilidade ao governo. Alguns dias depois, João Doria uniu-se ao executivo Paulo Zottolo, presidente da Philips, e ao advogado Luiz Flávio Borges D'Urso, da OAB-SP, para lançar o "Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros".
O movimento ficou conhecido pelo lema "Cansei", que estampava os materiais publicitários, e tinha por objetivo criticar o "caos aéreo", a "corrupção" e "falta de segurança" do governo Lula. A iniciativa ganhou apoio de entidades patronais, da FIESP.
Também ganhou a adesão de políticos de oposição e empresários, além de ser promovido por atores da Rede Globo, apresentadores de televisão, cantores e celebridades em geral. O principal ato organizado pelo movimento foi um protesto na Praça da Sé, no centro de São Paulo.
Fartamente divulgado, o protesto foi marcado para 17 de agosto, um mês após o acidente. A manifestação contou com a presença de diversas celebridades: Hebe Camargo, Ana Maria Braga, Regina Duarte, Luana Piovani, Ivete Sangalo, Seu Jorge, Sérgio Reis, Zezé di Camargo, etc.
Apesar das convocatórias e da presença de celebridades, a adesão ao protesto foi baixa: cerca de 2 mil pessoas compareceram. E embora os idealizadores afirmassem que a iniciativa era "apartidária", a manifestação foi marcada por gritos de "Fora Lula" e "Fora PT".
Os parentes das vítimas do acidente foram ignorados pela organização e ficaram presos na rampa de acesso, sem permissão para ir até o palco, reservado para as celebridades. A presença dos parentes sequer foi anunciada pelos organizadores.
Agnaldo Rayol cantou o Hino Nacional e o mestre de cerimônias João Batista de Oliveira declamou o Hino do Exército, exortando o público a "lutar pela pátria com fervor". Já o padre Antônio Maria evocou a inspiração divina. "Hoje, Deus diz pra nós: 'Estou cansado."
Identificado como uma manifestação do antipetismo da elite, o movimento se tornou alvo de zombaria, sobretudo pelas cenas ridículas de socialites milionárias enroladas na bandeira nacional berrando que estavam cansadas — enquanto seguranças expulsavam moradores de rua.
A declaração de Zottolo lhe rendeu o título de "persona non grata" no estado do Piauí e conferiu ao movimento a pecha adicional de xenófobo.
Até mesmo o conservador Cláudio Lembo, governador de São Paulo, criticou a manifestação, dizendo que o movimento tinha "figuras conhecidas que sempre possuíram e possuem uma visão elitista do país" e ironizou o lema "Cansei" como um termo de "dondocas enfadadas".
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