Nos idos de 2005, o primeiro governo
brasileiro liderado pelo presidente Lula se encaminhava para o final com um
amplo apoio popular que prenunciava sua provável reeleição em 2006. Ao
contrário do povo, o estamento, representado pela elite econômica nativa – ou
os donos do poder, conforme Raimundo Faoro – rejeitava, como historicamente
rejeitara, a ideia de repartição do bolo que vinha sendo colocada em prática
pelo governo petista.
A oportunidade de pôr fim ao governo que
ousava fazer justiça social no Brasil, surgiu para a malta endinheirada quando
um determinado deputado de notória e extensa folha corrida, resolveu chantagear
o governo exigindo espaços em troca de apoio na Câmara dos Deputados. Como o
governo não cedeu, o deputado chantagista, hoje devidamente enjaulado, deu
origem ao mito do Mensalão. Pronto. Estava ali a oportunidade que os fidalgos
da aristocracia tinham para se livrar do que eles entendiam como uma ameaça ao
seu modelo de domínio da coisa pública, e derrotar o governo identificado com
as causas populares.
Para isso, a mídia e seus serviçais
foram intimados para ecoar à exaustão o “mal feito” denunciado pelo deputado
bandoleiro. Intelectuais autênticos e indigentes, udenistas da direita e da
esquerda, jurisconsultos e jurisconfusos, membros da classe média que furam
filas em farmácias e supermercados, dentre outros aventureiros, formaram as
trincheiras desse exército de brancaleone.
Esse espírito de guerra total para
derrotar o inimigo a qualquer custo fez com que, durante o julgamento da Ação
Penal 470, o famoso Mensalão, um homem branco, ministro do STF, afirmasse que o
PT era uma “organização criminosa”. Outro ministro, um homem negro, mesmo sem
provas, jurou que houve “compra de apoio político” e que os políticos acusados
mereciam, além das penas sentenciadas, o “ostracismo”, ou seja, era a tática de
aniquilamento do adversário. Uma mulher, também ministra do Supremo, afirmou, em
alto e bom som, que “não havia prova cabal contra o José Dirceu (então ministro
da Casa Civil e homem forte do governo), mas vou condená-lo porque a literatura
jurídica me permite”.
Todos eles, o homem branco, o homem
negro e a mulher, encantados com os afagos da mídia subordinada ao baronato,
determinados em servir ao Príncipe (elite burguesa) e estimulados pela sanha
Savonarolesca do Ministério Público Federal da época, praticaram verdadeiro
justiçamento contra homens, cujo maior crime era serem pilares de um governo
que ousou fazer justiça social praticando distribuição de renda e colocando o
povo pobre no orçamento.
Passados vinte anos, esses dias, o STJ -
Superior Tribunal de Justiça, finalmente repara as atrocidades cometidas lá
atras e reconhece o erro judicial cometido, encerrando o processo por
improbidade no chamado Mensalão, excluindo José Dirceu, José Genoíno e Delúbio
Soares da Ação Penal 470.
Nesse momento em que grupos de
interesses se movimentam em lobbies para pressionarem o presidente da república
na indicação do próximo ministro do STF, a lembrança daqueles fatos deixa claro
que não é o gênero nem a raça que fazem um bom juiz ou uma boa juíza, mas o seu
caráter, seus propósitos e seu compromisso verdadeiro com a justiça. Por outro
lado, Lula deve ter aprendido com a experiência vivida. Da forma republicana
como ele indicou os ministros do Supremo nos seus dois primeiros governos,
certamente ficou uma lição. Restou provado que o republicanismo aprendido e
praticado pelas elites desses trópicos, está fundado num velho ditado popular:
farinha pouca, meu pirão primeiro.